Sentindo um Vazio? Quando a Falta de Sentimento é o Sentimento (e Como se Reconectar)
- João Paulo Soares Fernandes
- 12 de set.
- 4 min de leitura
Talvez você conheça essa sensação: não é tristeza, não é raiva, não é medo. É um silêncio. Um torpor. A sensação de atravessar os dias como se estivesse assistindo a um filme da sua própria vida, onde as cores parecem desbotadas e os sons, distantes.
É a dor confusa de saber que deveria estar feliz com uma boa notícia, mas não sentir nada. É a estranheza de olhar para o próprio corpo e se sentir um espectador. Se essa paisagem interna desolada é familiar para você, a primeira coisa que precisa saber é: sua experiência é real, válida e tem uma explicação que não envolve culpa.
Muitas vezes, esse vazio vem acompanhado de uma autocrítica cruel: "O que há de errado comigo? Por que eu não consigo sentir as coisas como todo mundo?".
Com base em um profundo respeito pela sua dor e na ciência mais recente, este texto te convida a olhar para essa experiência de uma forma radicalmente diferente. E se esse vazio não for um defeito, mas sim uma prova da incrível inteligência do seu sistema nervoso? E se essa desconexão for, na verdade, um escudo? Uma estratégia de sobrevivência sofisticada que seu cérebro ativou para te proteger de uma dor, um estresse ou um esgotamento que pareciam insuportáveis.
A Anatomia do Vazio: Colocando Nome na Sensação
Para começar a sair do nevoeiro, ajuda ter um mapa. A ciência dá nomes diferentes para as nuances do "não sentir", e talvez um deles descreva exatamente o que você vive. Pode ser a anedonia, quando a capacidade de sentir prazer ou interesse diminui drasticamente, deixando um mundo sem cor. Pode ser o embotamento afetivo, uma redução na expressão das emoções, como se seu rosto não conseguisse mais traduzir o que vai por dentro. Ou, em seu nível mais profundo, pode ser a despersonalização, a sensação de estranhamento de si, de ser um "espectador da própria vida".
Ter a linguagem para nomear sua experiência é o primeiro passo para se sentir menos só e para entender que não é algo que acontece apenas com você.
O Cérebro em Modo de Proteção: A Biologia por Trás do Escudo
Seu cérebro não "quebrou". Pelo contrário, ele ativou um poderoso mecanismo de emergência, um verdadeiro "disjuntor" interno. Diante de um estresse crônico, um burnout ou um trauma que sobrecarregam o sistema, seu cérebro, em um ato de autopreservação, pode ativamente diminuir o volume dos centros emocionais para evitar um curto-circuito. O "não sentir" é, portanto, um processo ativo de autodefesa.
Esse desligamento pode acontecer por razões muito concretas. O burnout, por exemplo, esgota tanto seus recursos que o distanciamento se torna um escudo para não entrar em colapso. Um trauma pode gerar dores tão avassaladoras que o cérebro "congela" as emoções para te proteger. Até mesmo a fadiga da era digital, com seu dilúvio de informações, pode levar o cérebro a dizer "chega", desligando para evitar um "crash" cognitivo. Em todos esses casos, o vazio emerge como uma estratégia de sobrevivência.
O Caminho de Volta à Sensação: Convites Gentis Para a Reconexão
A jornada de volta não é sobre forçar sentimentos, mas sobre criar, gentilmente, as condições de segurança para que eles possam emergir. É um caminho "de baixo para cima", começando pelo corpo.
Convite à Ação (Mesmo Sem Vontade): A ciência nos mostra que a ação vem antes da motivação. Em vez de esperar sentir vontade, comece com uma ação mínima, sem a pressão de "ter que gostar". Apenas faça. Saia para caminhar por cinco minutos. Ouça uma música. A ação gentil pode, aos poucos, religar o circuito de recompensa do cérebro.
Convite a Habitar o Corpo: A desconexão emocional é uma desconexão do corpo. Para se reconectar, você pode fazer um "escaneamento corporal" de 3 minutos. Deitado, leve sua atenção para as sensações em cada parte do seu corpo, dos pés à cabeça. Sem julgamento, apenas note. Isso ajuda a reconstruir a ponte entre mente e corpo.
Convite à Contemplação (Para "Enganar" a Crise): Quando a sensação de irrealidade ou pânico surgir, use a contemplação para se "ancorar" na segurança do agora. Escolha um objeto perto de você – uma planta, uma xícara, uma nuvem no céu – e observe-o com atenção total por um minuto. Note suas cores, texturas, formas, a maneira como a luz bate nele. Ao fazer isso, você "engana" seu cérebro: você dá uma tarefa concreta e segura para sua mente racional, o que ajuda a acalmar o sistema de alarme interno. É uma forma poderosa de sequestrar a atenção do pânico de volta para a segurança do presente.
Convite à Novidade: O cérebro ama novidades. Para combater a monotonia do vazio, introduza pequenas e novas experiências sensoriais. Experimente um tempero diferente, ouça uma playlist de um gênero musical que você não conhece, faça um caminho diferente para casa. A novidade pode ser o estímulo suave que desperta a centelha da curiosidade.
A jornada para sair do vazio é um testemunho da sua resiliência. Ao entender que sua desconexão foi um capítulo necessário na sua história de sobrevivência, você se dá a permissão para escrever o próximo – um de retorno paciente e compassivo à vitalidade de se sentir plenamente vivx.

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