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Como saber o que estou sentindo? Um passo a passo para se alfabetizar emocionalmente

  • Foto do escritor: João Paulo Soares Fernandes
    João Paulo Soares Fernandes
  • 23 de set.
  • 4 min de leitura

Você conhece bem essa experiência? Um nó na garganta, um aperto no peito, uma inquietação que percorre o corpo. Diante dessas sensações, se alguém pergunta "O que você está sentindo?", a resposta mais honesta que emerge é um vago "não sei" ou "estou meio estranho(a)".

Se essa névoa interna é familiar, a primeira coisa que você precisa saber é: sua experiência é válida e incrivelmente comum. Isso não é uma falha pessoal, uma fraqueza ou uma falta de profundidade. É um fenômeno que a ciência chama de alexitimia: a dificuldade em encontrar palavras para as emoções.

Pense na alfabetização emocional como aprender a ler o seu próprio mundo interior. E, por diversas razões que vamos explorar, muitos de nós não tivemos a oportunidade de frequentar essa "escola". O resultado é essa sensação confusa de sentir uma tempestade interna, mas não conseguir distinguir o vento da chuva.

Este texto é um convite para, juntos e sem julgamento, começarmos essa jornada de alfabetização.


Decodificando a Névoa: A Diferença Entre Sentir e Saber o Que se Sente


A dificuldade em nomear emoções está ligada a um conceito chamado granularidade emocional. Imagine seu mundo interno como uma fotografia:


  • Alta granularidade é ver a vida em altíssima resolução. Você não se sente apenas "mal"; você consegue diferenciar se está "frustrado(a)", "decepcionado(a)", "ressentido(a)" ou "melancólico(a)".


  • Baixa granularidade é ver a mesma cena em baixa resolução. Você sabe se o sentimento geral é "bom" или "ruim", "agradável" ou "desagradável", mas todos os detalhes e nuances que dão significado à experiência se perdem.


Essa dificuldade muitas vezes começa no corpo. As emoções são, em sua essência, interpretações que o cérebro faz dos sinais do nosso corpo (coração acelerado, estômago revirado). A ciência chama essa percepção de interocepção. Quando a ponte entre o corpo e a mente está enfraquecida, a sensação física permanece bruta, sem ser traduzida em um sentimento com nome.


As Raízes: Por Que Desaprendemos a Sentir?


Essa desconexão raramente surge do nada. Ela é, muitas vezes, uma estratégia de sobrevivência que aprendemos.


  • O Berço das Emoções: Na infância, aprendemos a nomear emoções quando um cuidador nos ajuda a traduzir o que sentimos ("Isso doeu, você está triste"). Em ambientes onde os sentimentos são invalidados ("Pare de chorar por nada") ou ignorados, aprendemos uma lição poderosa: sentir é ineficaz ou até perigoso. "Desligar" o sistema se torna uma adaptação inteligente para sobreviver.


  • A Cultura do "Engole o Choro": A nossa cultura também desempenha um papel. Normas sociais, como a ideia de que "homens não choram", ensinam a suprimir emoções consideradas "fracas". Aprendemos a engolir o choro, a disfarçar a raiva, a ignorar o medo. Com o tempo, essa supressão se torna tão automática que perdemos a capacidade de identificar o que estamos sentindo.


O Custo do Silêncio Interno


Quando não temos palavras para o que sentimos, o corpo começa a gritar. A dificuldade em nomear emoções está diretamente ligada à somatização: o sofrimento psicológico que se manifesta em dores de cabeça crônicas, problemas de estômago, fadiga e outras queixas físicas.

Além disso, a falta de clareza emocional impacta nossos relacionamentos. Fica difícil comunicar nossas necessidades, entender o outro e construir uma intimidade verdadeira quando nosso próprio mundo interno é um território desconhecido.


O Caminho da Alfabetização: Um Kit de Ferramentas Gentil


A boa notícia é que a alfabetização emocional é uma habilidade que pode ser aprendida. Não se trata de uma mudança drástica, mas de uma prática contínua de curiosidade e gentileza consigo.


1. Construa seu Vocabulário com a "Roda das Emoções": O primeiro passo é ter as palavras. Uma ferramenta simples e poderosa é a "Roda das Emoções" (procure no Google Imagens). Ela mostra como emoções básicas (como "raiva") se desdobram em sentimentos mais específicos ("frustração", "irritação").

  • Seu Primeiro Passo: Salve uma imagem da roda no seu celular. Três vezes ao dia, pare por um minuto e tente encontrar uma palavra na roda que melhor descreva seu estado atual, mesmo que de forma aproximada.


2. Organize a Experiência com a Escrita Expressiva: Escrever sobre o que acontece, mesmo que de forma factual, ajuda a organizar a experiência interna caótica em uma narrativa.

  • Seu Primeiro Passo: Reserve 10 minutos antes de dormir. Pegue um caderno e escreva sobre o seu dia focando apenas nos fatos: o que aconteceu, onde você estava, o que você fez. Não se preocupe em nomear sentimentos ainda. Apenas crie o hábito de observar sua vida.


3. Reconecte-se com o Corpo Através do "Escaneamento Corporal": Como a dificuldade começa no corpo, a solução também passa por ele. O escaneamento corporal é uma prática de mindfulness que reconstrói a ponte entre as sensações físicas e a consciência mental.

  • Seu Primeiro Passo: Encontre um lugar tranquilo para se deitar por 5 minutos. Feche os olhos e leve toda a sua atenção para as sensações em seus pés. Note o peso, a temperatura, o contato com o chão ou com as meias. Depois, suba lentamente a atenção pelas pernas, tronco, braços e cabeça. Apenas observe, sem julgar.


A jornada rumo à clareza emocional exige paciência e autocompaixão. Não se trata de nunca mais se sentir confuso(a), mas de se comprometer com a prática de se ouvir. Ao fazer isso, você transforma a névoa interna em um cenário emocional mais nítido, promovendo uma conexão mais profunda e autêntica consigo e com o mundo.

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